Mulher jovem, negra e pobre. Sua casa era a última da vila, chamada de "cortiço", no bairro humilde de maioria operária.
O marido, homem bom, distraia-se sentado á porta da sala, rodeado pelos quatro filhos, sempre às voltas com uma fruta para descascar ou simplesmente olhando o movimento da rua.
Trabalhava na industria, serviço pesado, e os horários eram modificados a cada semana.
Mas em cada turno de descanso, lá estava ele sentado nos degraus que levavam á porta da casa.
Pobres, a casa era pequena demais, apenas um quarto e uma sala. A cozinha e o banheiro estavam precisando de reformas, mas as despesas eram muitas, as crianças para alimentar...
No entanto os vizinhos percebiam que eram felizes. Ele tinha gênio bom e ela era uma mulher alegre, limpa, boa mãe.
Isso lá pelos anos 60, quando eu ainda era muito jovem e passava diariamente pelos fundos da vila, vendo seus quintais, indo para meu trabalho.
Ela estava sempre por ali, cedinho, estendendo as roupas no varal ou varrendo o espaço de terra batida.
Abria um sorriso para mim, um bom dia ou um comentário sobre o tempo.
Nada mais do que isso.
O marido naquela semana estava escalado para o turno da noite, coisa corriqueira, eles já estavam habituados.
Ela decidiu então, enquanto ele dormia durante o dia, ir com as crianças até o campo que havia ali perto.
Muitos terrenos baldios, os filhos correndo soltos enquanto ela procurava por determinada erva.
Lembrava-se que sua mãe e tia sempre diziam que um chá bem quente e forte dessa erva daria fim ao motivo de sua enorme preocupação.
Não tinha contado ao marido, para não deixa-lo apreensivo. A vida era dura, uma nova boca para alimentar não estava nos planos, ela não levaria aquela gravidez adiante.
Comentara superficialmente com uma prima. Dizia-se triste, amava os filhos que tinha, mas deveria tomar uma atitude antes que a barriga volumosa a condenasse.
Quando o marido foi para o trabalho naquela noite, ela colocou os pequenos para dormir, preparou o chá e tomou bem quente.
Deitou-se de lado e dormiu. Para sempre.
Lembro-me da dor no rosto do marido, da perplexidade dele ao saber o motivo, da impotência diante dos quatro filhos tão pequenos.
Ela que tanto queria evitar-lhe mais problemas, colocou um fim em sua alegria, seus planos e sonhos.
Pobre mãe pobre . . .
Hoje já sou avó e entendo como nunca o que aquela mulher pensava ao deitar-se depois do chá.
Claro que muitos dirão :
- quem cria quatro crianças pode criar cinco, ela errou muito ao provocar um aborto, e etc...
Eu apenas fico triste quando me lembro. Não é ser pobre, nem negra, nem mulher o que mais me comove nessa historia.
E sim a tremenda solidão do seu ato.